sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Rebeka Indirimível III

Rebeka Indirimível III










artista: Audrey Kawasaki



Conto da primeira semana do ano quinze:
Reviro-retrocesso das cinzas: Nostalgia I



Logo nos primeiros dias do ano quinze, decidida a mudar, Rebeka tenta conciliar com seu passado e com os dizeres em suas muitas cicatrizes, avermelhadas pelo amanhecer de um calor insuportável. O calor lhe dava alergia, uma coceira que lhe fazia sangrar a pele com suas unhas não muito longas, mas afiadas. 
Deitada no chão pela primeira vez razoavelmente limpo, ela lia pedaços rasgados do que um dia fora um diário. Ela colecionara diários uma vez, não somente os seus, mas o de outras pessoas também. Quando ainda tinha muitos amigos,  era boas em guardar segredos. Alguns desses diários, segredos ela ganhava, outros tomava à força. 
Tentou certa vez escrever um diário conjunto com um de seus amantes. Não moravam juntos, mas viviam juntos. Comiam praticamente no mesmo prato. Trepavam três vezes ao dia. Cada vez mais pervertidos, dados à indescritíveis sadomasoquismos e fetiches de incesto; devido à proximidade, a intimidade que compartilhavam, o carinho, a devoção.
Aquele, quando se foi, tornou-se Nostalgia, e é assim que ela lhe chamava desde então. Houvera violência, violinos, vaga-lumes e vergonha. Mais marcas no espírito que na pele, a lembrança do gozo mais profundo fazia-a ficar úmida, encharcada, levar as mãos lá, ansiar por sentí-lo pulsando dentro dela. O calor, avidez, a insaciabilidade. Sempre mais, sempre que estavam sozinhos, o calor derretia os relógios.
O corpo nu de Nostalgia, eterno efebo de rosto e sorriso angelicais, era da cor de uma mistura de leite e mel, de uma proibição médica; coberto de uma penugem suave e ruiva, deixando sua pele ainda mais macia... Rebeka estava de novo com os dedos dentro, tentando conter a excitação crescente; mas não quero gozar ainda, não enquanto não tivesse sua memória satisfeita com aquelas lembranças... 
Os cachos perfumados do cabelo dele encontrando as juntas de seus dedos. Os dedos de violinista dele, tão hábeis, tão gelados. Suar crueldade infantil e aquela mania de desaparecer, de esconder o papel embaixo do tapete, o modo como divertia-se com as confusões que Rebeka arrumava. Sua alegria e sua raiva eram tão legítimas quanto sua ambição por poder e conhecimento. Suas carícias tão necessárias, como suas inexplicáveis demonstrações de completa indiferença eram indicadores de sua devoção cármica. Sua necessidade de mentir e destruir (todo um conceito por trás do fato de não ser capaz de possuir seu desejo em forma de mulher), ao mesmo tempo sua vontade de tê-la pra si e somente quando quisesse, sua capacidade de desistir sem nunca dizer adeus: Tudo isso era Nostalgia. Tão irresistível como veludo, que sufoca tanto quanto sua textura é prazerosa ao toque. Rebeka gastou um dia inteiro, ligando setenta vezes, e ele nunca atendia - ele estava lá; era o prazer em vê-la procurando por ele, para que ele pudesse desprezá-la; e então retornar a ligação semanas depois, preenchendo todas as lacunas de saudade. Ela, iludida, choramingava cada vez que gozava chamando o nome de Nostalgia... Era a memória encarnada - nunca planos para o futuro - que estava lá impregnada de suor, lágrimas e sangue (clichê, porque era tão real).
Lá pelas tantas, o estômago corroído pela fome, ela se lembra de cozinhar uma sopa para si. O sabor daquela era como a de uma, que certa vez ela fizera para comer junto com Nostalgia. Era esse seu efeito: rebobinar o presente, como que salpicado de memórias, com sabor de passado, impregnado de sentimentalismo; o incrível poder de distorção causado pelo apego às sensações e historinhas mentais, confundindo o que houve com o que nunca aconteceu fora da imaginação. Tudo fica com cor, gosto, cheiro e textura de lembrança revivida.

Com ele, Rebeka aprendeu a mentir pra si: seria o amor que Nostalgia lhe tinha, mera invenção de seu coração convencido a se manter fiel àquele amor profundo, devoto? Seria na verdade, nada mais que hábito, para ele? Rebeka obcecada, teria inventado que Nostalgia a amava assim tão intensamente, porque na verdade era ela quem amava por dois? Será que Nostalgia era assim para ela sua alma tão  gêmea porque ele era nada mais que um amigo imaginário? O ar fantasioso que ele assumia, ao contar seus feitos, era fruto do fato de ser uma dissoluta versão de Peter Pan? Os diários dos dois eram fábulas eróticas, romance de fantasia?
Rebeka cuidou dele enquanto pôde, para níveis muito além de toleráveis de dor emocional, que ela sempre soube, causara nele também. O dano só não era mais irreparável que a falta que ele lhe fazia, apesar de toda confusão. Castigava-se com um flagelo de correntes, ou com a própria corrente, uma metáfora para o indelével laço que compartilhou com Nostalgia por tantos anos, e ela sentia, ainda compartilhava. Sua presença sobrenatural na vida dela permanecia, como uma marca de Cain, e ele podia retornar e ir embora, incerto como os ventos regentes de seu signo.
Madrugada ardente de conciliação, que sempre a deixava toda em carne viva - correntes, fronteiras, promessas de amor não cumpridas. Antes mesmo de gozar, automasoquista, Rebeka abrira de volta as cicatrizes em feridas, com suas unhas, como se fossem as palavras e os beijos de Nostalgia. O choro copioso a sobrepujar os gemidos e gritos do prazer forçado: sua nítida memória da violação vingativa, contra seu corpo e seu espírito; catatônica agarrando-se à esperança de aquilo ser uma mentira, a mais suja e cruel jamais dita. Amor, ódio, amor.
Ela ainda espera uma resposta: gosta ou não gosta? Nostalgia.. O que você quer fazer?



segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Théo [repost]



Liberdade. Igualdade. Fraternidade.
Original em: 21/03/2013 

Gosto do seu jeito, Théo. Você não muda nunca. Sempre impulsivo, selvagem, de olhar calculista e jeito sedutor.
Erotizado em 8 milímetros, cheirando à Paris, cigarros caros e vinhos que eu nunca tomei.
Théo, você quer beijar todas as garotas bonitas, mas ainda não me conheceu. Você está na ficção e eu, na realidade.
Na grande tela escura, você faz poses e caras e bocas, despudoradamente se desnuda, observa lascivo a outros garotos e não mede seus ímpetos de luxúria com outras garotas. Você faz com que eles te olhem, te desejem. Me conquistou assim, e eu continuo aqui do outro lado.
Oh Théo, revê-lo noutro universo - oh não, mas é a mesma França, apenas uma outra época, outra situação - apenas uma ou duas semanas depois que seus olhos de vidro indiretamente repousaram sobre meu corpo semi-nu, foi como reencontrar um amante de uma noite num momento casual e inesperado, na sala de um cinema... e começar ali mesmo as carícias indecentes, da carne trêmula que não resiste.
Devore-me com seus lábios tão rubros, olhe-me, imponente, me deixe intimidada por esse olhar -estou apenas jogando com você, poderia ser sua Isabelle, sabes bem e por isso, apenas por isso, evitaria me encontrar. Suas mãos e seu torso não resistiriam, você não demonstra resistência. Está atuando, e eu também, mas não há nenhuma camêra focada em mim. Eu danço para os meus amantes e você, Théo, deseja estar na pele deles.
Oh Théo, você não muda nem de nome e nem de roupa para me fazer levar a mão por entre as pernas, fechando os olhos como quem lamenta... Tudo que deveria acontecer entre dois, encerra-se no suspiro de um só, num escuro que lembraria a sala de cinema onde eu o reencontrei.
Na manhã seguinte, você me procuraria nua, na sua cama, Théo. Mas encotraria apenas um bilhete com um poema que você provavelmente não conhece.

"I wanna fuck you like a foreign filmBut there's no subtitles to get you through it. 
And I'm a country you would never, ever, ever, ever visit again. 
Line up, roll camera... you pretend, i'll pretend and.........CUT! CUT! CUT! CUT!" 
Marilyn Manson - I wanna kill you like they do in the movies

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Rebeka Indirimível II

Artista: Kago Shintaro
Rebeka Indirimível II

Conto do primeiro dia do mês de Natal

Ela finalmente arrumara um emprego que não se importava muito com seus cabelos ou suas marcas nos braços, ou seu moleton desproporcionalmente grande ou com os remédios controlados.
Não era porque ela queria, mas não era permitido viver eternamente do benefício do governo; contas não se pagam sozinhas e, se ela não come, o gato precisa ser alimentado. Rebeka gostaria de poupá-lo da degradante tarefa de caçar lagartixas, ou pior, ratos, e contrair alguma doença.

Depois da visita de Ira, Rebeka acalmou-se um pouco. Uma amiga veio visitá-la, prometeu colocar ordem à todas as coisas entulhadas  na quitinete ridiculamente pequena, abafada, empoeirada.

 No espelho, ela escrevera com esmalte: conhece-te a ti mesma. No outro extremo do quarto, pichou a palavra "silêncio" com spray dourado. Pois se palavras são prata, o silêncio é ouro. 
Procurava significados nas palavras, lendo os jornais em busca de trabalho, mas interpretava tudo como metáfora. Encontrou algo que não parecia piada com sua cara, com sua situação mais do que degradante.
Ofereceu-se à um laboratório químico como cobaia humana. O dinheiro era bom, havia seguro e plano de saúde; não lhe enchiam o saco e tudo o que ela precisava fazer era sobreviver. Nos intervalos, atendia cerca de sete ligações telefônicas por minuto, às vezes durante quatro a seis horas.
A ira cessou, pois qual mutilação poderia ser pior do que aquilo? Comer a comida do próprio gato? Cortar, tingir, comer o próprio cabelo? Roer as unhas até que os dedos sangrem com esmalte tóxico, e depois ter que cumprir a média de 244 caracteres digitados por minuto? "Era exemplo pra tomar medicamento, poderia um dia tomar o veneno"?

Chegou dezembro bem devagarzinho. Aquela época em que tudo é invadido por idosos obesos caucasianos vestidos convenientemente de vermelho, e renas com nariz de led, bonecos de neve mesmo onde não neva, e chaminés mesmo onde não há lareira. O festival do kistch.
Ou isso ou réplica em todos os materiais derivados de petróleo disponíveis no mercado, da suposta cena do nascimento do hebreu chamado Cristo, o Salvador. Exceto onde ela costumava morar antes, onde o presépio era de cera. Tradição com cheiro de mofo e cera.
Nada daquilo, no entanto, conseguia comover Rebeka, em seu estado catatônico.Talvez deveria experimentar comer um menino-jesus de cera pra se encher de espírito natalino.  Ou meter com as trocentas formas em plástico barato do Velho Noel. 
O velho e o menino, símbolos sustentos do natal; a fome e o sexo.

De volta ao seu revolto lar, checando as chagas deixadas pelos testes. Buracos como de vermes, de agulhas e medicamentos, algumas queimaduras de abrasivos, testes de maquiagens que ainda formigavam em seus olhos. Aquela porra não era ilegal? Deitou-se no chão e pôs-se a chorar, miserável de si, vazia de sonhos e expectativas, tentando juntar os pedaços daquilo que fora um dia, dois anos atrás na universidade, e o que era hoje, uma cobaia humana.
Ela sentiu-se reduzida aos cacos do vinil derrubado por Ira, em sua última visita. Ainda estava ali, acumulando poeira. Ela fingia que não via o disco quebrado. Ela ignorava os buracos em seus braços purgando um líquido escuro, sangue podre. Então ela imaginou uma multidão de vermes, saindo desses buracos, devorando sua carne, arrancando-a dos ossos. E todos eles tinham cabecinhas de menino-jesus de cera.
Rebeka se levantou, cambaleante. Pisou os fragmentos do disco que rasgaram-lhe os pés. Caiu novamente, e chorou, chorou alto, com tanta pena quanto desprezo de si mesma, viciada em nada, alucinando sozinha num quarto onde ninguém a ouviria gritar. 

O outdoor que impedia a luz solar de entrar de forma mais incisiva no quarto, trazia a imagem de um dos insuportáveis velhos de vermelho, carregando um bebê loirinho com auréola divina. O espírito do natal, beba, beba essa porra. Sempre essa porra. 

Rebeka olhou-o sem virar o rosto, sentiu uma fúria que faria o outdoor incendiar-se imediatamente.. Mas era o que estava acontecendo - curto circuito nos holofotes e a merda toda começou a pegar fogo, um espetáculo à parte naquele céu ocre de sete horas da noite. Rebeka riu-se, ainda sem se levantar, apertando a barriga com os braços. Gargalhou, era com aquilo que o natal se pareceria pra ela. 

Forte dor abdominal, Rebeka se contorceu como um rato no chão. 
E vomitou de todas as cores possíveis, entre comprimidos, leite e frango velho, a cabeça mastigada de um menino-jesus de cera. 

domingo, 30 de novembro de 2014

Máquina de Coca


Leu nas entrelinhas do olhar, da falta de música pra dançar, nos excessos da comida junkie, nas piadas durante o filme. 
{Um tiozão pediu silêncio. Ela estoura a bola de chiclete no ouvido dele. Só pra perturbar....}oOOO*ploc*

| Panela de pipoca, máquina de coca, guloseimas no minibar. Tira minha roupa, vai, me agarra inteira, sede de desejo, vem me saciar. |

>> Ta tarde pra voltar pra casa, se abriga no meu cantinho que eu moro só.   
Aceita, vai, tá tão cheirosa, mina cocaína, deixa eu te cheirar..
Quero que me gosta, máquina de coca, pelo todo inteiro, que a carne é fraca e o desejo é traiçoeiro. Pelo todo inteiro, toda nua, mordendo seu travesseiro, me possua, madrugada adentro, molhados de suor, como se o todo fosse uma coisa só. ||<
Cafeína te vicia e dá fissura como essa transa na loucura, na sua cama meio quebrada, tá valendo, pra mim não dá nada.
Você gosta de agradar e eu gostei... Você gosta do que eu gosto, então gozei.
Tipo igual, tipo igual, tipo igual - mentos com coca zero saindo do seu pau (eita!)
Fica, usa minha camiseta, dormir abraçadinho é tão careta mas parece a melhor pedida. Sem despedida na manhã seguinte - eu vou pro trampo, ela pro curso - sem o menor requinte, só vontade de ficar.
Acaba tarde esse filme. Teve um fim breve esse caso. E se eu cair na sua casa? Cê me ama, cê me adora, máquina de coca...
Me leva pro rolê de leve, enlaçando como se eu pudesse ser sua garota, mas isso não existe na minha vida...

I'm crazy but you like it, loca loca loca.. It's crazy but we do it, coca coca loca

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Rebeka Indirimível I

Artista: Takato Yamamoto

Rebeka indirimível


Conto da noite de todas as consagrações


Morava na casa de dois cômodos, onde enfiara todas suas coisas e ideias e planos. Eram livros e discos, eram pôsteres rasgados, eram quadros com cores as quais ela nem sabia dizer o nome.
Seus braços eram como folhas de caderno pautado, decorado de cicatrizes retilíneas e paralelas de cima à baixo. À beira do suicídio, num quarto sem janelas, onde seus bens e suas experiências se acumulavam juntamente com a poeira, e os pêlos - os seus e os do gato. Bichano amigo, trançando entre as bagunças, no calor infernal, entre as páginas escritas por Rebeka nas últimas madrugadas. O maço se encerrava junto com seu dia, e cada vez mais ela sabia, que seu  destino era morrer ali, e só. 
Incensos misturavam-se com lápis e pincéis e hashis. O som do pássaro mecânico suprimido pelo ruído suburbano, o sacolejo dos trilhos que se refletia nas fendas na parede, ao redor da única janela no outro cômodo, tais quais as finas veias azuladas que ela possui ao redor dos olhos.
Então ela foi visitada pela Ira.  Era como um rapaz de pele cinzenta e cabelos vermelhos, era como um grafite em brasa, chama que nunca se extinguia.  Ira fê-la odiar a tudo e a todos, derrubou seus pertences, rasgou fotos de parentes, fê-la culpar o exterior pelo insuportável calor, então amaldiçoou o Sol, e amaldiçoou os deuses e os demônios. Quando ela havia praguejado mais maledicências que a própria Ira conseguia se lembrar, um pequeno ninho de fumaça cinzenta saiu do sorriso de Ira. Lembrou-a: odeie a ti mesma, como odiou a todo o resto!
E é nessa ocasião, incendiada pela Ira, Rebeka toma a navalha mais uma vez, e mais uma vez torna a fendir a pele, da perna, das coxas; gritando enraivecida, confusa no seu alvo de ódio, odiando por odiar, ira cega e que não pode ser arrebatada. Excitado com o efeito de suas palavras, Ira fica completamente nu, revelando seus pés como de lobos, a despeito de sua auréola angelical. Rebeka se agarra voluptosamente à Ira, despindo-se igualmente, o corpo como uma seringueira vermelha, manchando de sangue o corpo firme e cinzento de Ira, que a beija com igual volúpia. 

Desejo obscuro. "Quando estamos juntos, você sabe, nós matamos" - sic Maldita.

Ira afundava suas unhas escuras na carne de Rebeka, onde já estava ferido, e ela grita, de raiva e prazer. Eles se agridem, a carne apodrece, e ela gosta. Cópula de desejo obscuro, com as carnes interiores ardendo como em brasa. Tingido de sangue, Ira excita-se muito mais rapidamente - mas diferentemente dos humanos, Ira jamais atinge o gozo, pois sua natureza é alimentar cada vez mais o rancor que o excita.
Após a cópula maldita, deitam-se lado a lado sobre o colchão da cama já sem lençol, da cama que antes estava abarrotada de livros, estes que já estavam pelo chão, juntamente com peças de roupas.  
Rebeka desperta primeiro, como que de susto, ao se deparar com a criatura que cochilava ao seu lado - passou a mão entre as pernas e constatou a evidência de coito - e odiando-se e odiando a Ira, pegou a lâmina que antes usaria para se cortar e, com um punhado de golpes e um grito seco e estridente, certificou-se que havia matado Ira. 
Ficou admirando sua obra, os cortes fundos e o sangue vermelho e quente que pulsava do resultante de cada um dos golpes. Ela mal podia acreditar, então enfiava o dedo em cada uma das feridas, para certificar que eram mesmo fundas e reais. Após, lambia os dedos, e sentiu o amargo sangue inebriante da criatura, revirava os olhos de prazer. Sentou-se sobre o cadáver, que, embora nesta condição, não tardou em surpreendentemente despertar. Ria-se com alguma dificuldade, e Rebeka já quase deu um pulo pra trás, quando sentiu a convidativa ereção tocando sua bunda, mudou de ideia. Ira não estava tão morto. Ele parabenizou-a e disse que adoraria que ela repetisse, cada assassinato de maneira mais e mais violenta. E ele ria como um maluco, e ela estava assustada, mas ria de nervoso. 

"Eu não sou um demônio, tampouco um anjo/Eu me alimento do seu desejo, seu desejo, mais obscuro desejo/E quanto mais perturbada e fragmentada e problemática é a sua alma, maior meu regojizo!" - Ira cantarolava, enquanto movia o quadril de Rebeka para frente e para trás, sentindo-a ficar excitada. A cópula aconteceu mais uma vez, mais fácil, com um prazer ainda mais intenso. À medida que as feridas de Ira iam se fechando, com mais alegria e urgência Rebeka abria novas fendas, com seu sangue misturando ao dele  (e que o seu até parecia mais frio). Ela própria começou a rir como maluca, sentindo aquele orgasmo infinito que o ser era capaz de proporcionar, ainda que estivesse com o rosto todo cortado.
"Como uma cobra, como um parasita/Estar ultra-presente no seu corpo me excita..."

sábado, 27 de setembro de 2014

Meu nome é Perdida

artista: Santolouco 
Kally Rebecca Joey Natasha
Kimby Kelly slashed Hayden

Depois que ele partiu, ainda assim ela ia todos os dias esperá-lo na estação.
Olhava de um lado para o outro, levantava na ponta dos pés para ver se aparecia o cabelinho, descendo as escadas para o metrô. Nada. Menino com o skate numa mão e um bloquinho na outra, fones de ouvido e cara de marrento. Você o viu?

No outro dia ela saiu com outro, pra se distrair. Iam se drogar na parte de trás daquela mesma estação. Ela não tinha nome, era uma qualquer, ela queria se dissolver na fumaça que saia das narinas do outro sem nome. 

Kelley Jayce Mareen Katya
Nancy Nathaly Jacky Tracy

Vinho barato, cigarros pretos, e ele está com as mãos dentro da blusa dela. Ela vira o rosto, pupilas dilatadas, rosto dormente, lábios trêmulos. Seu traficante não vai lhe fazer mal, não.. ele a dopa porque sabe que ela sente dor. Não entende, ninguém entenderia. Aqui dentro tudo é caos e melancolia.

"Eu escrevi seu nome na parede da estação, por favor venha me buscar onde me deixou. Não vire as costas, pra quem tanto te amou. Venha buscar meu corpo onde você me deixou."

Estava com outro, pensando no primeiro. Crime inafiançável. O primeiro jamais viria buscá-la, portanto, ela continuou a ser amante do seu traficante. 

Atrás da estação, uma quebrada escura. Sem iluminação, propício à loucura. Ela pedia 'não', mas ele continuava: para frente, para trás, para baixo e para cima. Entrando e saindo: pare. Saindo e entrando: pare. Na rua não. Mas ele salpicou em seu nariz de pó da sininho, e ela quis voar....

Venha me buscar, Peter. Peter, estou na estação. Por favor, Peter, estou te esperando.
Não se atrase, Peter, por favor..
Por amor.. 

Wendy Cindy Helen Marilyn
Jane Connie Faye Lisa  Mallory


escrito originalmente em Março/2014

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

AD2 X-R: Caindo pelo buraco do Coelho

Depois do fim
Andava distraída, chorava sem razão. Olhava a mesa ao lado vazia, onde antes o outro costumava estar, e se sentia incapaz de prosseguir. Deixou a escola.


Sedução perigosa e ilegal, garrafas de vinho barato e um maço de cigarros pretos mentolados. Quinze chamadas não atendidas. Está chovendo, mas eles continuam no beco. Então o Sr. Coelho leva Alice para o buraco, e o cachorro do dono da casa começa a latir alto. "Cachorro idiota!"
O Sr. Coelho beija uma Alice dopada de maconha e vinho barato, que tem os olhos turvos ainda por lágrimas, ela contrai os lábios trêmulos. Frenético, ele se mantém aspirando o perfume dela no pescoço, entre os seios, movendo-se rápido.  Mais uma chamada não atendida, as mãos dele estão ocupadas passeando pelo corpo úmido de Alice, não podem alcançar o telefone, que segundos atrás tocava Lovage alto.
Ele respira ofegante, ela prende a respiração. Seu cabelo laranja gruda na testa e no pescoço, eles estão deitados no chão de concreto e ela olha a chuva fina caindo do céu, mais escuro, sem estrelas, com uma lua borrada como alguém que esbarrou a mão em tinta fresca. As lágrimas confundem com a chuva. "Oh, céus, eu chorei demais, demais. Que arrependimento de ter chorado demais."
Enfim ela se entrega à embriaguês, sabe que tem outro baseado apertado no bolso do Sr. Coelho, e ainda havia vinho que, com certeza,  seria 'inteirado' pela chuva. 
Uma mordiscada no mamilo a fez voltar à realidade, como foi que chegaram tão longe? Estavam no meio da rua, praticamente. Aquele buraco era a descida de uma garagem que era num nível abaixo da rua. Ele agora provocava seu sexo, até que pôde sentí-la umidecendo. O sexo dele já estava teso e semi-exposto, como um cogumelo avermelhado. 
Ela o beijava de olhos abertos, pois se o fechava, pensava no outro, no beijo do outro, no cheiro do outro, nos braços fortes do outro: o Valete. E isso a fez umidecer ainda mais, tanto o sexo quanto os olhos. Manteve os olhos abertos, e procurava os olhos do Sr. Coelho. Olhos vermelhos provindos do verde da natureza, como ele mesmo dizia, ou da embriaguês pelos cabelos irisados de vermelho da Alice. Ela começa a agarrá-lo e puxá-lo para si, que solta um grunhido abafado de tesão.
A chuva cessa, o cachorro não. Alguém grita: "Quem está aí?" E o Sr. Coelho resmunga: "Cachorro idiota!" Alguns segundos em silêncio e então, volta a chover. O dono da casa volta para dentro, o cão pára de latir, o barulho constante da chuva respingando no telhado, nas telhas e tábuas. À frente da casa, imponentes, dois prédios inacabados. Em ruínas, meca de tudo o que decai no cenário urbano, ricamente ornado com multicoloridos grafittis e pixos de alto nível, que Alice podia ficar horas admirando. Ela mantinha os olhos abertos, o sol há muito já havia se posto, e já não sabia quantas mãos corriam por seu corpo. Deixava o tesão anestesiá-la, seu coração que já nem batia. Crescer e diminuir.
Com inesperada rudeza, o Sr. Coelho puxou-a para si e a arrancou de seus devaneios mais uma vez. Os dedos entravam e saiam da fenda úmida e quente, ele salivava enquanto a olhava nos olhos. "O que foi? Se você não quiser, vamos parar. Quer que eu pare?" Ele perguntou, parando de fato com os movimentos. Ela procurou violência nos olhos dele, mas não encontrou, se viu refletida ali e balançou a cabeça negativamente. Olhava-o fixamente, como se esperasse que os pensamentos simplesmente desaparecessem. "Relaxa, gatinha", ele pediu, voltando com as carícias e os beijos cada vez mais famintos. Em pouco tempo a mão voltou pra lá, e ela também buscou o sexo dele. Clandestinos, ilegais, mais duas chamadas não atendidas. Rapidamente ele a vira de bruços, coloca seu rosto quase contra o chão, remove o obstáculo de tecido azul e entra nela. Quente, molhado, a chuva aperta e ele prossegue, ela quase não consegue se mover, não mais olha nos olhos do Sr. Coelho, mas também incapaz de fechar os olhos. Sente vergonha e culpa e um tesão explosivo, proibido e inesperado, um calor de prazer que não se estampava em seu rosto inexpressivo; o transbordo de emoções a deixou catatonica. Ela sentiu que ia gozar, e ao mesmo tempo que chegou ao êxtase, explodiu em lágrimas. Um choro copioso, com soluços. Ele também chega ao orgasmo, tira fora à tempo, e antes mesmo de vestir-se, envolve Alice com seus braços alvos, molhados. "Olha pra mim, sou eu, eu não vou te machucar" - ele suplicou. Ela continuava a chorar, e ele a deixou ali, dentro de seu abraço, sem saber muito o que fazer. "Oh, céus, eu continuo chorando demais..." Ela se vestiu e ele também, saíram do buraco e foram procurar abrigo.
Raios cortavam cruelmente o céu. Atrás da estação imunda, protegidos pela marquise, outro cigarro preto foi aceso, a garrafa de vinho foi terminada. 
Ela se levantou do colo dele num pulo, correu pra estação e pegou o primeiro trem que passou naquele instante.... na verdade, ela tentara se jogar. Ainda tinha esperma grudado nas pernas e folhas no cabelo, rosto um pouco sujo de terra. Sem nome, sem rosto, sem endereço, apenas uma qualquer vulgar.

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Escrito em: 22/03/2014  às 20:59

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Cold Hands

Artista: Apollonia Santclair
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Amanheço com Massive Attack, aroma de chá preto preenchendo o quarto, apenas um brilho pálido da aurora entra por uma fresta da cortina púrpura sobre a janela.

Ainda estou me lembrando de alguns detalhes, que poderia fixar na minha Capela da Libido Reprimida, como promessas que se fazem para santos pregando junto dos falsos ídolos de cerâmica, um molde da tal parte do corpo, feita de cera ou gesso. Esta era uma imagem que me fascinava e aterrorizava em certos templos quando eu era mais nova, mas agora acho que compreendo. E tal medo e fascinação, a mesma energia que me pressionava, proveniente do seu olhar mórbido e seu falar arrastado.
Das muitas páginas que li, tentando entender o que se passa aí dentro, um rapaz tão silencioso que se torna, ao abrir o livro, alguém cujo olhar tem tanto a dizer. Está tudo nessas páginas? Gostaria de saber o que esses olhos têm a dizer.
Quase um personagem, sentado na cadeira de aço preto, a tinta desgastada. Seus cabelos muito escuros, lisos de um jeito estranho, um corte que me faz lembrar de personagens de mangá. Se não fosse pela marca da barba de muitos anos, te tomaria por um garoto de 17 anos. Doce e lúgubre.

Seu corpo esguio. Mãos finas. Olhar cansado. Rosto pálido, pálido como essa aurora que preenche meu quarto. Sinto o desejo preencher meu corpo, logo minha fenda está úmida de desejo. Minhas mãos geladas escondiam de verdade o desejo ardente, que nunca compreendi, de tocar seu rosto, e de tocar seu torso cheio de marcas de cortes. Deitar meus cabelos como um mar de sangue sobre seu peito liso, enquanto sorvo os sabores do teu sexo. Sentir a barba por fazer arranhando meus seios, enquanto cravasse suas unhas nas minhas costas, nas minhas coxas, e nádegas. O contraste dos tons da nossa pele, da textura dos nossos cabelos. Arrastando-me para perto de você, qual fusão que não sinto há muito tempo.... Á medida que aumentassem meus gemidos, mordiscava-me a pele, como um demônio faminto, onde somente o torpor da alma entregue à luxúria nunca é suficiente. Tentaria memorizar o meu perfume, e eu memorizaria o seu; e do mapa no seu corpo onde minha língua passearia, a topografia de suas cicatrizes gravada sob meus dedos. O desejo, onde se cava, enterra: seus dedos longos entre as minhas pernas. Enlouqueço como febre, transferindo com minhas unhas para a sua pele, numa caligrafia incompreensível para quem nunca sentiu tal tesão um dia, uma descrição detalhada de todos os orgasmos que viriam. Um conto erótico tangível - de onde verte sangue real, em minha pele e na sua -, selado com um beijo pecaminoso: "Me deixa entrar".
O serafim Maldito, enfim, para testar minha fé, investe agressivamente em meu "coração" com sua lança dourada em chamas, enquanto crava ainda mais profundamente suas unhas e seus dentes; fazendo-me desejar por pecados ainda maiores.
Eu o ouço gemer, e enquanto tento conter meus próprios gritos; numa sinfonia pornô - seu dó e meu fá sustenido: Goza comigo, goza comigo, goza comigo.
Tão avassaladora a dor e o prazer excessivos, que não conseguia desejar que acabasse. Mania, mania.
Chegando ao limite do suportável, parece que a esse passo tudo é permitido. Compreendo que ali a escuridão se torna cada vez mais doce, e o "doce e lúgubre" se torna cada vez mais pervertido. Mais uma vez a violência presente, no entrar e sair da lança flamejante, nossas entranhas parecem se tornar viscosas devido à embriaguez da matemática álcool+drogas+tesão, se misturando, seria o sexo apenas ilusão?
Não há tempo para pensar em resposta, o cérebro parece estar ligado apenas pra processar toda aquela adrenalina, ocitocina, e a serotonina também.
O êxtase inefável chega, fazendo-o perder o controle dos seus movimentos, a pélvis movendo-se por instinto, enquanto minhas pernas enlaçavam nas suas pernas, forçando seu membro mais e mais fundo dentro de mim. Uma das suas mãos guiando meus quadris, a outra deslizando da minha nuca para as minhas costas; as minhas prendem-se nos seus cabelos, nos seus ombros..e numa sequência de arranhões marcando ambas costas, o orgasmo selvagem transforma os movimentos num espasmo ainda mais forte e descontrolado, você tem suas mãos em torno do meu pescoço... Um urro, um suspiro, e há seu gozo dentro de mim e em minhas coxas e escorrendo viscoso, entre minhas pernas. O desejo, onde se cava, enterra.

Vinho forte, como seu olhar sobre meu corpo nu, exausto, caído como sem vida em seu lençol. Está degustando o vinho, e eu me torno por um minuto uma presa fácil, aguardando seu ataque. Massive Attack. O relógio estava parado, e eu que estivera tão viva dois minutos atrás, parecia agora "morta para nunca mais", para seu próprio deleite. Do meu beijo de rainha-aranha, você jamais despertaria, sem perceber, firmemente preso em minha teia de predador.

(Não compreendo porque sempre tentei refrear esse desejo, porque eu não pude fazer brotar minhas paixões de uma fonte comum. Observava com certo desânimo a maioria das jovens ninfas fazê-lo, mas do teu cálice quis me manter afastada, por motivos de evitar o desgaste ao desejar o obviamente inalcançável.)

Só queria saber quem você é por dentro.